Ex.mos senhores deputados,
Sou professora contratada do grupo de Física e Química. Tendo tido acesso à proposta de decreto-lei que regula os concursos para seleção de docentes no ano letivo 2011-2012, não posso deixar de manifestar a minha indignação e surpresa pela facilidade com que se alteram regras de concurso de um ano para o outro penalizando fortemente quem trabalha há anos ensino público. Muito se escreveu já e escreverá sobre o assunto, mas eu gostava de pegar em apenas dois pontos (muito mais haveria por dizer) e tentar fazer compreender a quem não está no sistema algumas das razões da revolta que se começa a instalar:
- Novas regras para definição de prioridades no concurso.
Nos últimos 3 anos, a definição de prioridades para o concurso de contratação foi a seguinte:
1.ª prioridade — indivíduos qualificados profissionalmente para o grupo de recrutamento a que se candidatam, que tenham prestado funções docentes com qualificação profissional num dos dois anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso em agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas públicos;
2.ª prioridade — indivíduos qualificados profissionalmente para o grupo de recrutamento a que se candidatam.
A nova proposta é redigida nos seguintes termos:
1.ª Prioridade — indivíduos qualificados profissionalmente para o grupo de recrutamento a que se candidatam, que tenham prestado funções docentes, em horário anual e completo, em quatro dos seis anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso em agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas integrados na rede de estabelecimentos públicos de educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário do Ministério da Educação e Ciência ou em estabelecimentos com contrato de associação;
2ª Prioridade — indivíduos qualificados profissionalmente para o grupo de recrutamento a que se candidatam.
Ora esta nova redação é de uma desonestidade sem limites, porque basta consultar as listas de colocação de 31 de Agosto dos anos anteriores para perceber que a maioria dos professores constantes nessas listas são colocados anualmente, sim, mas com horários incompletos. Muitos com menos 1 ou menos 2 horas apenas. Por outro lado, consultem-se as listas seguintes e contem-se o número de horários que saem uma, duas semanas depois, muitas vezes a tempo de iniciar o ano letivo, tantos deles completos. Porque não deve relevar esse tempo para primeira prioridade?
Com as reconduções, começaram a registar-se casos de colegas que tiveram a sorte de serem colocados há 3 anos e que, desde então, viram o seu horário mantido, mesmo ultrapassando colegas melhor graduados. Mas tais casos estão, no máximo, há três anos a renovar contrato. Nem esses conseguirão a primeira prioridade.
A verdade é que, sendo eu professora contratada de uma grande escola do centro de Setúbal, não conheço NENHUM colega que consiga acumular 4 anos de horários completos e anuais. Muitos terão mais de 4 anos de serviço, muitos terão acumulado horários em várias escolas, muitos terão de se ter deslocado da sua residência e da sua família. Não conheço, repito, nenhum que tenha conseguido acumular 4 anos de horários completos e anuais.
Em contrapartida, no caso dos professores das escolas com contrato de associação, professores que nunca tiveram de se sujeitar a concurso público, é natural que tenham visto os seus contratos renovados anualmente. Aliás, com 4 contratos de horários anuais e completos, estarão já certamente efetivos. São estes professores que o concurso vem proteger. Com a esmagadora maioria dos colegas a passar para 2ª prioridade, estes professores ultrapassarão os professores que dão aulas no ensino público, mesmo os que tiverem melhor graduação, mesmo os que tiverem mais tempo de serviço.
Simpatia pelos professores das escolas com contrato de associação? Com certeza que não...antes uma transferência deliberada destes professores para o ensino público (porque as regras este ano são estas, para o ano é uma incógnita) onde ganharão menos, libertando os quadros das escolas com contrato de associação dos professores mais onerosos. Um favor aos diretores destas escolas que assim se libertam dos professores com mais anos de serviço sem indemnização. Uma contrapartida à redução orçamental prevista para estas escolas.
Os professores do ensino público mereciam ser mais que meros peões de joguetes de interesses...
- Novos intervalos de horários a candidatura.
Desde que me lembro, os intervalos de horários a que um professor podia concorrer eram quatro:
Horário completo;
Horário entre dezoito e vinte e uma horas;
Horário entre doze e dezassete horas;
Horário entre oito e onze horas.
Horário entre dezoito e vinte e uma horas;
Horário entre doze e dezassete horas;
Horário entre oito e onze horas.
A nova proposta define como intervalos de horas a que os professores se podem candidatar os seguintes:
Horário completo;Horário entre 6 e 21 horas.
Se a alteração anterior tem objetivos claros, esta ultrapassa a minha compreensão. Quem fica a ganhar com uma definição de intervalos horários deste género? Pois não é natural que os professores estejam dispostos a afastarem-se de casa por horários mais preenchidos mas não para horários demasiados pequenos que não cubram as despesas (a título de exemplo, para um docente profissionalizado, 21 horas letivas correspondem a um remuneração bruta de cerca de 1311€, um horário de 6 horas corresponde a uma remuneração bruta de 375€)? Que pretende o Ministério com esta proposta? Que os professores não arrisquem e só concorram a anuais? Que arrisquem e tenham de desistir de horários com poucas horas, saindo da bolsa de recrutamento?
Sou professora há mais de dez anos. Sou-o porque gosto do que faço e faço-o o melhor que posso. Mas espero da parte do Ministério pelo menos respeito. Peço leis e regulamentos feitos com bom senso e de forma honesta. Acho que não é pedir de mais...
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