Aventuras e desventuras dos professores, formadores, contratados ou a recibos-verdes que leccionam na Escola Pública, Profissionais, Colégios, IEFP's, Casa Pia, TEIP's em cursos de UFCD's, EFA's, EFJ's, CNO's, AEC's PIEF's, ...

Aceitam-se contributos: eanossaescolinha@gmail.com



quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

COMO PERDER MAIS TEMPO A FAZER UM PLANO DE AULA QUE A PREPARÁ-LA

Obtive a profissionalização em serviço já dava aulas há algum tempo. Foi uma formação gratificante, onde, mais que aprender, tive oportunidade de reflectir sobre métodos e estratégias. E onde trabalhei com outros professores, vindos de áreas disciplinares diferentes e com percursos distintos, mas todos com experiência significativa no ensino e com vontade de partilhar a sua realidade.

Tive aulas assistidas - na verdade tive unidade supervisionada - fiz vários trabalhos escritos, algumas planificações de aulas, mas tudo dentro do razoável.

Já os meus colegas da faculdade que seguiam a via ensino, pelo que me lembro, eram sujeitos a um ano de estágio onde eram tratados como mentecaptos sem vida própria. Eram-lhes exigidos documentos absolutamente surreais que eles faziam e preenchiam sem barafustar porque eram imberbes e inexperientes e, vamos dizê-lo frontalmente, tinham pouco espírito crítico.

Um desses documentos eram os famosos Planos de Aula, onde os meus colegas eram obrigados a antever como correria a aula ao minuto e cuja antevisão tinham, depois, de cumprir com uma turma à frente enquanto lhes tremiam as pernas e eram observados e julgados pelos Orientadores de Estágio que detectavam sempre, sempre um erro crasso e abominável na prática do estagiário. Aliás, estes meus colegas, perante as suas turmas eram mesmo conhecidos por "estagiários" e não professores de facto.

Ora esta geração compreensivelmente traumatizada está agora a dar aulas. E quando lhes falam em aulas observadas, todo um mundo de pesadelo lhes volta à memória. E tão traumatizados estão que não perceberam que já lhes foram quebradas as pesadas correntes que os amarravam ao estranho mundo dos documentos non-sense e continuam a pensar que têm de fazer linhas e linhas de palha para que alguém lhes sorria de forma paternalista. E surgem então aqueles tiques nervosos que os obrigam a criar documentos que nunca se lembrariam de fazer noutras circunstâncias. Há vários exemplos desses documentos, mas hoje debruçar-me-ei sobre os Planos de Aula, assim com maiúsculas e tudo.

Pois bem, minha gente, para quem vive obcecado em tornar um Plano de Aula no romance da sua vida cá vai a dura verdade que ninguém vos contou durante o estágio pedagógico:

1. Não têm de começar o plano de aula com uma aula de didáctica para totós. Ninguém normal percebe o que é que vocês querem dizer com inputs e outputs e variáveis. Esqueçam essa primeira página A4. Ninguém a lerá e, caso alguém o faça, manterá sempre AQUELE sorrizinho nos lábios.

2. Uma planificação de aula não tem de ser apresentada em blocos de 5 minutos. Só funcionará para turmas com um número de alunos inferior a 1, o que não é vulgar. Só serve para vocês nunca cumprirem o planeado e depois terem má avaliação no indicador "cumpriu a planificação". Estão a ver agora porque é que no estágio vos punham a planificar ao minuto? Fez-se luz?

3. Outra razão para não planearem a aula ao minuto é porque - tchã-tchã! - vocês dão aulas a crianças e adolescentes. E aulinhas assim a correr de seguidinha, só mesmo na Guerra das Estrelas com o mestre Yoda, aquele bichinho fofo, a dar aulas de sabres de luz a um conjunto de meninos que não abrem o bico. Aquilo passa-se numa galáxia distante! Se fosse na terra - onde vocês provavelmente darão aulas - os meninos teriam vontade de fazer xixi, já teriam dado com o sabre de luz no amiguinho da frente e teriam ataques de riso sempre que o mestre formasse frases com o verbo colocado no final.

4. Porque é que têm de especificar coisas como o número de alunos que questionarão em cada actividade? Quem for observar a aula não estará lá para ver? E se o primeiro aluno questionado não perceber, como é que fazem? Não explicam devidamente para cumprir o planeado, ou perdem tempo a explicar e a planificação não é cumprida? Estão a ver porque é que estavam tão nervosos nas vossas aulas assistidas? Percebem agora?

5. Finalmente, o material. Será mesmo necessário referir "caneta"? E "livro de ponto"? E porque não "roupa"? É que despidos a coisa é capaz de não correr muito bem...

Em resumo: eu sei que é difícil libertarmo-nos de conceitos que nos foram impostos de pequeninos, mas há uma altura em que crescemos e temos de começar a pensar por nós. E a sair de casa dos pais. E a ter uma vida própria. E a perceber que há na vida coisas muito mais importantes que inventar papeis inúteis...

jhjh

8 comentários:

Rolando Almeida disse...

Excelente. Em regra gosto de fazer comentários para fazer objecções, mas desta vez deixo aqui um comentário somente para dizer que o texto reflecte muito bem a realidade. Bom trabalho colega e parabéns.

Anónimo disse...

Parabéns!
Seguimos um percurso idêntico, fiz a Profissionalização em Serviço quando já leccionava há 4 anos. O meu grupo de estágio era diversificado, por isso mesmo tínhamos reuniões conjuntas com orientadores de Português, Latim e Grego.
Ainda hoje recordo o quanto aprendi a todos os níveis.
Pelo que me é dado observar, os colegas com estágio integrado já chegam às escolas ( sem culpa própria) "formatados" por uns iluminados que desenham a Educação num papel, na penumbra dos confortáveis gabinetes. Há nomes conhecidos, há mais de 20 anos, responsáveis pela Formação de Professores. Os chamados mangas de alpaca.
Eu acho que à força de olharmos uma coisa, deixamos de a ver, de a perceber, ou seja, o significado de "plano" e/ou "planificação".
Estraçalhar uma aula em minutos só porque está no plano, é, como bem realça, desconhecer que estamos a lidar com pessoas em crescimento, é coarctar a possibilidade espontânea de tirar dúvidas, por exemplo, a partir da asneira. É limitar a capacidade crítica do professor, e do aluno, em momentos que surgem no espaço sala de aula, passíveis de um maior aprofundamento não só científico, como vivencial.
Os docentes críticos têm ferramentas capazes de, nesta situação, emperrar a engrenagem.
Gostei. Continue.

Nina Abreu ( recém-reformada)

Anónimo disse...

Comentário de Maria Campos: Um Plano de aula não deve demorar mais de 5 minutos a realizar e deve ser resumido ao mínimo, um esboço da aula. Há aulas ótimas concebidas quase de improviso e outras muito alinhadinhas que não resultam de todo. O essencial é que o professor saiba os objetivos essenciais da aula. O que pretende que os seus alunos acabem por compreender e aplicar. Sempre fui contra planificações muito detalhadas, onde até se colocam as perguntas que se irão colocar aos alunos! Deixem-se disso, tenho muita experiência a ensinar, nunca fui considerada pelos alunos e pais má professora, mas posso assegurar que em 6 linhas faço a planificação de uma aula e muitas, muitas, nem as planificava , pois sabia o que ia dar e as variar as estratégias para que fossem eficazes. O improviso é uma parte importante da aula e fraco é aquele que não tem nem sabe improvisar. Improvisar bem resulta da experiência e cuidem-se aqueles que pensem que se pode deixar tudo ao improviso. No entanto, rasguem essas planificações complicadas e muito meticulosas apenas para encher o olho de burocratas! E quem diz isto é a Maria Campos! E posso provar que é a Maria Campos, não fosse o meu email de....35@ g mail.com

trasgo disse...

Caro amigo

Que a força esteja consigo.

Obrigado por ajudar a combater o Dark Side.

Anónimo disse...

Concordo totalmente com a colega do email "....35@ g mail.com", aliás fiquei baralhada com a leitura do texto da autora pois eu fui durante vários anos supervisora de professores em iniciação de carreira (por opção), tive de ser avaliadora no biénio anterior e tenho de ser relatora no actual biénio, também sou observada nas minhas aulas, e a realidade descrita nunca foi a minha realidade nem a das pessoas com quem tenho trabalhado. Também fiz estágio já leccionava há 8 anos no ensino secundário e antes já havia leccionado outros tantos no ensino superior, porque a minha formação de base foi no ramo científico. Sempre primei como professora, supervisanda ou supervisora pelo espírito crítico, pela autonomia e faço-o com muita paixão e profissionalismo e é isso que partilho com as pessoas com quem trabalho e independentemente das hierarquiquias funcionais. Tenho tendência a concluir que então que o defeito está na forma como os estágios do ramo educacional estão concebidos, na formatação que induzem na cabeça dos professores em geral que não lhes permite "abertura" nem ao fim de alguns anos de carreira! Não sou de 35 mas sou de 60 e a minha relação com alunos (hoje já muitos colegas)e pais foi sempre das melhores e algumas converteram-se em boas amizades. Azar mesmo dos colegas que tiveram as más experiências descritas ou adivinhadas nos comentários que escreveram! Mas talvez estejam bem a tempo de mudar a agulha da bússula, não?

Anónimo disse...

Peço desculpa pelas "gralhas" que deixei no comentário anterior: em vez de "bússula" deve ser bússola e em vez de "hierarquiquias" deve ser hierarquias.

Ana Luísa Costa Carneirinho disse...

Cara anónima de dia 25, antes de mais agradeço-lhe o comentário construtivo.
Como escrevi, não fui sujeita a um estágio tradicional, pelo que a visão que tenho desse ano pode estar distorcida e pode não reflectir os moldes em que todos os estágios se processam. Conheço, no entanto, muitos relatos de pessoas para quem esse foi, infelizmente, um ano de pesadelo. O que não devia acontecer. Talvez agora, em que os estágios já não são remunerados, as coisas estejam diferentes, mas o que observei enquanto estudante (já lá vão uns 15 anos) foram exigências que pouco contribuiam para a prática real da docência.
Quanto aos planos de aula, não inventei mesmo nada. Claro que há planos de aulas "normais" - eu própria acho que os faço, mas tive na mão vários planos de aula que incluiam mesmo actividades planeadas ao minuto, o número de estudantes que seriam questionados por actividade, introdução em eduquês e tudo. Plános de aula com várias páginas escritas. Não os publico porque me foram arranjados por amigos de amigos e nunca os autores me deram autorização para os usar.
Quanto à última observação, que mesmo com más experiências qualquer um pode "mudar a agulha da bússola", completamente de acordo. Aliás foi nisso que pensei quando escrevi o último parágrafo. Mas não consigo deixar de ficar desiludida quando vejo colegas a complicar o que pode ser simples e concentrar-se mais em papéis e relatórios e portfólios que no trabalho com os alunos propriamente dito. Ah! E a preparar aulas assistidas com actividades que não fariam noutras circuntâncias. Isso também me tira do sério...

Anónimo disse...

Reformei-me, por puro desencanto, no “reinado” da MLR.
Desencanto pelas inúmeras afrontas da tutela sem qualquer respeito e reconhecimento por tantos professores que puxaram pelo ensino público, contra “ventos e marés”, muitos deles oriundos das múltiplas, e muitas vezes desajustadas, reformas de ensino que foram saindo dos gabinetes ministeriais ao longo das últimas décadas.
Desencanto por perceber que, depois da enorme união da classe que culminou com quase toda a classe na rua a dizer não à palhaçada da avaliação, pouco ficou…e um silêncio atrofiante foi-se instalando nas escolas.
Desencanto por perceber que depois de trinta e tal anos a fazer os possíveis por ser uma boa professora, disseram-me que devia procurar por ser, pelo menos, muito boa professora mas preferencialmente excelente professora! Aí comecei a sentir-me levitar para o Olimpo e reformei-me!
Se calhar eu não sei exactamente o que significa o termo “excelência” mas agora também já não me preocupo…Mas continuo a pensar que só desejo que os meus netos tenham bons professores, que quando estiver doente seja tratada por bons profissionais de saúde, quando tiver que recorrer à justiça tenha bons juízes a julgar, etc, etc….ah, claro que neste país haja bons governantes! Então sim acredito que teríamos um excelente país ou um país excelente, como preferirem!!!